A produção de laudos psicológicos em casos de acusação de abuso sexual é um problema de extrema gravidade que venho rebatendo desde que comecei a atuar na área há 18 anos. No meu último livro cuja segunda edição acaba de sair apresento pesquisa informal sobre o assunto destes 18 anos de trabalho e ainda pesquisas científicas na área.
Disponho aqui para vocês o conteúdo do capítulo 6 para embasar cientificamente muito do que a matéria abaixo aborda. O laudo psicológico feito por de forma inadequada seja por falta de conhecimento ou por interesses financeiros acabam com vidas e relações afetivas.
Capítulo 6 profissionais envolvidos – laudos e polêmicas
laudos – o poder dos documentos psicológicos
Em levantamento informal realizado em 27 processos envolvendo litígios familiares nos quais atuei entre 2003 e 2013, como assistente técnica ou realizando pareceres, colhi alguns dados que indicam a necessidade de se aprimorar o trabalho dos profissionais ligados à investigação, avaliação legal e tratamento de acusações de abuso sexual e alienação parental. Os casos a seguir obtiveram decisão judicial absolvitória, ou seja, as acusações de abuso sexual foram julgadas e consideradas falsas. Aqui estão listados pontos que se mostram importantes para a análise de conduta na apuração de dados. São critérios básicos para a investigação de acusação grave e complexa:
1. Adequação às técnicas de avaliação psicológica – 6 Em apenas seis processos (22%) vemos laudos adequados em termos de números de sessões, utilização de testes psicológicos,
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contextualização da acusação de abuso sexual, histórico, avaliação dos envolvidos etc. Cabe aqui ressaltar que estes laudos adequadamente realizados foram decorrentes do trabalho de equipes técnicas ou peritas do judiciário do Rio de Janeiro, por vezes com a participação de assistente técnico. As perícias foram indicadas, em sua maioria, no início do processo, com orientação adequada do advogado e agilidade do juiz. Em um deles, apesar de encontrarmos dois laudos de equipes técnicas realizados dentro das normas, o processo se estendeu e o pai até hoje não vê a criança.
2. Acusado não entrevistado – 18 Dos 27 processos, em 67% dos casos o acusado não foi inserido na avaliação.
3. Resolução 007/2003 – 4 Apenas 15% utilizaram a normatização do Conselho Federal de Psicologia para a elaboração de documentos decorrentes da avaliação psicológica.
4. Presunções com base no relato das crianças – 22 Em 81%dos casos o processo teve início com laudos embasados apenas no relato da criança para diagnosticar o abuso sexual.
5. Técnicas de entrevista errôneas: direcionamento e indução – 5 Em cinco processos temos a indução da fala da criança comprovada por meio de gravações em vídeo e áudio. O número pode ser maior, pois nos outros processos isto não pôde ser verificado.
6. Ausência de investigação sobre como ocorreu o início da narrativa sobre o abuso sexual – 22 Em 81% dos casos não se investigou como ocorreu o início da fala sobre o abuso e se houve sugestionamento intencional ou não da criança.
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7. Verificação da consistência e coerência dos relatos – comparação entre relatos iniciais e posteriores – 22 Em 81% dos processos não houve análise da evolução dos relatos, comparação entre eles ou verificação da consistência e coerência deles.
8. Ausência de contextualização da acusação – 20 Em 74% dos processos não houve o entendimento da motivação nem do significado da acusação dentro do histórico familiar.
9. Parcialidade e ausência de neutralidade do profissional – 17 Em dezessete processos os profissionais não apresentaram a isenção necessária exigida neste tipo de caso.
10. Avaliação de personalidade do acusado e associação a perfil de pessoas que cometem crimes sexuais contra crianças, encontrado na literatura – 6 Apenas seis realizaram tal avaliação.
11. Avaliação de quem acusa e de outras pessoas envolvidas (diagnóstico do alienador) – 6 Apenas seis casos tiveram avaliação realizada de forma ampla.
12. Erro do diagnóstico embasado em sintomas – 10 Em menos da metade dos processos os profissionais embasaram seu diagnóstico nos sintomas relatados pelo responsável.
13. Utilização de critérios de alienação parental na avaliação – 6 Em apenas 22% dos processos onde houve a realização de perícias ou a entrada do assistente técnico tais critérios foram utilizados.
14. Investigação de hábitos de nudez, acesso a conteúdos sexuais – 4 Em apenas quatro destes processos houve a investigação.
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15. Laudos adequados – 6 Apenas 22,2% dos processos apresentaram nos autos laudos adequados para a acusação em questão.
16. Sobre tomar a decisão que caberia ao juízo –2 Conclusões precipitadas, que caberiam exclusivamente ao juízo.
17. Motivação para a acusação (algumas se sobrepõem): – relacionamento do genitor com outra mulher – 3 – medo de perder a guarda – 5 – novo relacionamento materno – 3 –vingança financeira –7 –vingança afetiva –14 –religião–1 –psicopatologia –2 –desconhecido –1
Verificamos, portanto, que a vingança afetiva pelo término da relação, principalmente quando há traição, bem como por questões financeiras foram os motivos mais encontrados nestes processos.
18. Afastamento e convivência Em 100% dos casos houve afastamento inicial entre genitor e filho; cinco conseguiram convivência com acompanhamento, cinco tiveram a guarda revertida e quatro voltaram a conviver com os filhos normalmente.
19. Idade da criança 3 anos – 6 4 anos – 7 6 anos – 4 7 anos – 4 8 anos – 4 9 anos – 2
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As idades variaram entre 3 e 9 anos, com maior incidência nas idades entre 3 e 4 anos.
20. Adolescentes – 2
21. Crianças em psicoterapia antes da decisão judicial – 7 Procedimento prejudicial, que ajuda a consolidar falsas memórias de abuso sexual
22. Uso de vídeo: –Como prova do genitor– 5 –Como prova do alienado – 2 –Como parte do processo: oitiva – 8, depoimento – 1, depoimento sem dano da avaliação –1
A utilização de vídeos como prova é, muitas vezes, danosa à criança, pois, em sua maioria, são realizados por meio de coerção, induzindo respostas da criança. Isso acaba sendo mais uma violência contra elas.
23. Lei Maria da Penha –6 Observamos o aumento da utilização da Lei Maria da Penha, às vezes, indevidamente, como forma de afastamento do genitor e filhos.Os profissionais precisam estar atentos.
24. Acusação a tios – 3 Nos três casos a acusação de abuso sexual aos tios foi justificativa para o afastamento, com a alegação de que o genitor permitiria o contato. Duas mães e um pai alienados nesta situação.
25. Criança fala a verdade–6 Seis crianças falaram a verdade ou se contradisseram.
26. Laudos favoráveis– 7
27. Vários laudos no processo –16
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Em dezesseis casos constatou-se a existência de mais de dois laudos com avaliação da criança no processo. Sinal de revitimização e contaminação do relato.
28. Investigação da relação pai e filho – 6 Em apenas seis casos houve a investigação da relação pai e filho com sessões conjuntas.
29. Acusados Homem –26 (entre estes duas mulheres alienadas por meio da acusação ao tio) Mulher –1
30. Processo ético no CRP contra os profissionais envolvidos – 8 Duas advertências, uma suspensão e uma cassação de registro profissional.
31. Genitores alienados que voltaram a ver os filhos –13
Verificamos, portanto, que poucos foram os profissionais que se utilizaram de forma adequada das técnicas e dos recursos psicológicos no processo de investigação. A resolução do 007/2003 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) é pouco utilizada pelos profissionais em contrariedade ao que obriga a própria resolução. Grande parte embasou o diagnóstico no relato da criança e do genitor que aliena, sem contextualizar e ouvir o acusado. Na maioria dos casos não houve investigação acerca da possibilidade da contaminação dos relatos da criança. Não houve, tampouco, a comparação entre os diversos relatos das crianças no processo. Em quase 100% dos casos não houve contextualização da acusação.
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Poucos fizeram avaliação do alienador e do acusado. A parcialidade e ausência de neutralidade necessárias não foram encontradas na maior parte dos profissionais. A necessidade de avaliação de personalidade do acusado e associação do perfil de pessoas que cometem crimes sexuais contra crianças, encontrado na literatura, não foi incluída. A avaliação de quem acusa e de outras pessoas envolvidas (diagnóstico do alienador), raramente foi feita. O erro do diagnóstico embasado em sintomas foi encontrado com frequência alarmante. A utilização de critérios de avaliação da alienação parental foi pouco encontrada nos depoimentos. A motivação para a acusação encontrada na maioria dos casos foi a vingança afetiva, em função do término da relação, o que mereceria atenção para uma eventual tendência à distorção dos fatos pelo alienador. Criança em psicoterapia antes da decisão judicial pode prejudicar a investigação, como vimos em capítulos anteriores. Corroborando alguns dos fatos apurados, uma pesquisa realizada por Amêndola (2009) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro acerca da atuação dos profissionais psicólogos em casos de avaliação de acusações de abuso sexual detectou que:
1. Em muitos casos pais acusados foram excluídos da avaliação, revelando um modelo de exclusão social. 2. Tal exclusão normalmente gera a contestação destes laudos, a solicitação de novas avaliações e a multiplicidade de laudos dentro de um mesmo processo judicial. 3. Laudos com exclusão dão diferença em seu resultado, respaldando decisões judiciais e promovendo o afastamento entre pais e filhos.
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4. Ao afastar pais suspeitos do convívio com o filho para protegê-lo há uma dicotomia: a garantia e a violação de direitos coexistem na medida de proteção. Que se torna medida de punição. 5. Visitação monitorada ou assistida – a cargo de profissionais ou familiares– tenderia a frustrar os pais e verificar a sua culpabilidade. 6. Os profissionais têm dificuldade em perceber a existência de falsas acusações de abuso sexual. 7. O modelo de avaliação que privilegia a palavra da criança exclui o pai. E presume como verdadeira a acusação. 8. Entrevista de revelação – premissa de que a criança é vítima de abuso. Modelo inadequado nas falsas denúncias. Exclui a participação do pai acusado, os dados processuais e favorece a ação do(a) alienador(a) por meio de alinhamentos ou fortes vínculos estabelecidos (Amêndola p. 177). 9. O modelo que entrevista todos os familiares, além da criança, gera diferenças nos resultados das avaliações. 10. Há necessidade de capacitação dos profissionais.
O resultado da pesquisa ecoa o que os autores que abordam o assunto levantam como a maior distorção dentro dos processos, especialmente em varas de família: o desconhecimento e a falta de preparo dos profissionais, principalmente os que lidam com o caso no início do processo. No Brasil e nos Estados Unidos, esse despreparo acaba fomentando controvérsias envolvendo a SAP e a alienação parental, prejudicando os esforços pela proteção dos menores vítimas de ambas as ocorrências. No Brasil e no resto do mundo, há uma forte resistência em se caracterizar a SAP como transtorno psiquiátrico, e vêm sendo frustradas as tentativas de incluí-la nas versões mais recentes do DSM e do CID, manual e código de classificação de doenças mentais que orientam os profissionais para uma linha comum de atuação. Em seu livro Parental alienation DSM V and ICD 11, Bernett embasa com pesquisas mundiais a necessidade
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do entendimento da alienação parental como diagnóstico. O novo DSM-V não possui a expressão alienação parental, porém traz classificações diagnósticas interessantes que podem ser utilizadas de forma descritiva, como: problemas de relacionamento pai-filho, abuso psicológico da criança, criança afetada pela relação parental conflituosa e transtorno factício por procuração. Em razão do aumento do número de processos éticos contra psicólogos (também apontado na pesquisa da UERJ), o CFP22 elaborou algumas resoluções com o objetivo de direcionar a prática dos profissionais em caso de violência contra a criança e o adolescente, bem como na atuação dentro do Judiciário. São elas a 08/2010,que versa sobre a atuação do perito e assistente técnico, e a 010/2010, que institui a regulamentação da escuta psicológica de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência na Rede de Proteção. Esta resolução está temporariamente suspensa única e exclusivamente em razão do papel do psicólogo como inquiridor no procedimento do depoimento sem dano.
22 O CFP disponibiliza também como referência o documento “Serviço de proteção social a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e suas famílias: referências para a atuação do psicólogo, 1a edição, 2009.
http://pr.ricmais.com.br/parana-no-ar/videos/quadrilha-se-especializa-em-laudos-falsos-para-incriminar-pais-de-abuso/
Cristiane C. B. Lee
Perfeito Andreia!!
Lastimável saber que até nisso existem quadrilhas especializadas….
Muito bom o seu post. Parabéns !!!!
Bjs Cristiane Lee
Marcelo Sauaf
parabéns!! grande auxílio aos pais e mães alienados vítimas de falsas acusações, temos que mostrar ao rei que está nu, o judiciário eficaz e o governo em geral só melhorará com ação de pessoas de bem e auxílio valioso de especialistas envolvidos, como o autor, lutamos pelo que mais temos de valioso, nossas crianças!
Andreia Calçada
Obrigada